A primeira vez que me questionei sobre o meu peso devia ter uns 15 anos.
Já com 1.75 vestia um 36, enquanto as amigas mais próximas envergavam tímidos 34.
Era a altura em que trocavamos de roupa, de casacos a tops, camisolas e vestidos. Mas as calças, essas , nunca me serviam.
Aos 15 anos, e depois de perder o meu pai , após ter vivido no limiar da sua perda durante 7 ou 8 anos, lidar com pessoas que se afastavam porque, imagine-se, uma doença terminal , pelo menos naquela altura em vez de apoio ou empatia gerava asco, já que o doente ia perdendo capacidades, cabelo, a pele estava em absoluto declínio ( o meu pai faleceu com Lúpus numa versão bastante severa), o que eu mais queria era " encaixar-me", sentir que fazia parte de algo, ser igual a toda a gente, deixar de ser apontada e excluída.
Então, apesar de caber nos números de roupa convencionais, sentia -me gorda.
Não era. Tinha uns 62kgs. E sentia uma vergonha desgraçada porque à minha volta ninguém pesava mais de 50, ignorando que tinha em média mais 20 cm que as outras.
Com os anos, e aproximando-me da idade adulta fui ganhando noção e alguma paz, no que ao meu peso dizia respeito.
Vieram depois dois filhos, e cada gravidez trouxe-me uns KGS extra valentes que a custo fui conseguindo eliminar .
As depressões assolaram-me a partir dos vinte e poucos e com elas a instabilidade proporcionou aumentos e baixas de peso constantes. Medicação que me deixava prostrada, inerte, sedentária e, por sua vez fazia com que as minhas oscilações de peso fossem cada vez mais desestabilizadoras.
Chego aos 45 anos, após acontecimentos devastadores com um peso que jamais pensei vir a ter.
Habituada já, a ver nas minhas fichas médicas " obesa". E aquele " obesa", incomodava-me mais que qualquer " gorda" dito numa rede social ou sussurrado enquanto passava.
Já com diagnóstico de hipotireoidismo auto-imune e perturbação afetivo-bipolar, a tomar mais medicação nada inocente no que concerne ao peso, vejo-me numa consulta de cirurgia metabólica no Hospital Pulido Valente, depois de vários exames e análises que atestavam que a bariátrica seria provavelmente a minha oportunidade de vir a ter uma vida normal, com qualidade de vida, já que tinha o fígado alterado, a tensão altíssima e um número já elevado de órgãos afetados pelo excesso de gordura no organismo
A minha primeira consulta foi em Agosto de 2022, fui operada em 25 de Setembro de 2023.
Não sou de " dourar a pílula", e embora saiba que exista quem não tenha tido uma dor, confesso que quando saí da cirurgia sentia tantas que me lembro de espumar, literalmente e durante talvez segundos perder a noção de onde estava. Assim que consegui articular palavras para me queixar das dores que sentia , fui medicada e ainda que me doesse até a respirar, as dores foram passando, aos poucos
Não são todos que sentem dor, e, existem hospitais que dão medicação mais forte o que previne o doente de sentir essa dor. Creio que ali, optaram por paracetamol até para vigiar uma possível dor exacerbada que poderia ser sinal que alguma coisa não tinha corrido bem. Pareceu-me que se regiam em que mascarar a dor poderia ser pior que a sentir durante algumas horas e agora, mais distante dos factos , tenho a certeza que fizeram o mais acertado.
Arrependi -me umas 500 vezes nas primeiras horas.
Pouco depois da cirurgia já andava em suaves caminhadas, agarrada ao suporte do soro, sempre acompanhada por uma enfermeira ou auxiliar , para me livrar do desconforto que os gases injetados durante a cirurgia fossem abandonando o meu corpo e com eles as dores incómodas , desta vez não nas incisões, mas um inchaço generalizado fruto da cirurgia.
Hora após hora, havia uma diminuição lenta do mau estar e da dor. A sede incomodou-me. Mas, após uma cirurgia em que é cortado cerca de 80 a 85% do estômago e este se encontra em cicatrização, nada de água nem qualquer tipo de alimento.
Aquela noite durou um ano.
As enfermeiras foram incríveis, sempre a ver se estávamos bem, se tínhamos dores, a medicar, a ajudar a levantar . Senti-me segura, apoiada e , acreditem que naquela altura é tudo o que precisamos.
No dia a seguir , esperava-nos um copo de chá gelado, sem sabor. Um copo daqueles de plástico, pequenino. Chá esse que bebi numas duas horas, tamanho o medo da reação do meu tubo digestivo.
Foi-nos dada alta com indicações de ingerir nas próximas 3 semanas apenas líquidos, , sopa bastante líquida, leite, iogurte líquido magro sem açúcar, fruta cozida batida( Deus me livre e guarde, só o cheiro agonia), multivitaminico e proteína para juntar aos alimentos.
A cirurgia é ao estômago.
E o problema é que a raiz do mal está na nossa cabeça. São muitos anos de maus hábitos, muitos anos em que o organismo está habituado a pão, prato cheio, e a esta distância daquele tipo de alimentação já tenho dificuldade em lembrar tudo o que ingeria e que não era assim tão necessário para o meu corpo.
O verdadeiro processo vem depois da cirurgia. E isso não significa que nunca mais comeremos bacalhau com natas, sushi ou fast food. Significa que serão excepção e não regra.
Passado um mês , cada vez que vou ingerir algo penso nos nutrientes que tem. Não numa análise exaustiva mas, opto pelo que possa ser mais benéfico para o meu corpo
Açúcares refinados, glúten, lactose, inflamavam-me de tal forma que cerca de uma semana depois da cirurgia, o meu rosto estava diferente devido a essa abstinência. A pele melhorou muito, até na firmeza.
Sei que tenho ainda um longo caminho para percorrer, caminho esse que provavelmente será para toda a vida, mas tudo farei por mais anos de saúde que estava a perder.
É interessante ver as roupas em pouco tempo ficarem enormes, e outras que sequer serviam entrarem no nosso corpo e pouco depois termos de por de parte porque já está grande demais, mas , e ao contrário do que pensei inicialmente, tudo se vai focando nas melhoras da saúde. Na diminuição do cansaço, no aumento da energia.
Vou dando notícias, afinal, a obesidade e a sua luta estão na ordem do dia e eu sinto-me uma privilegiada pela segunda oportunidade que a vida me está a dar .