Tenho dois filhos. 15, e 9 anos.
Vivo por eles. Sou a melhor mãe que sei ser.
Não tive propriamente um grande exemplo de mãe. A minha, foi mãe jovem demais, e honestamente? Acho que estava despreparada para o ser. Contrariada.
Acordei às 3 da manhã com as gargalhadas do mais velho, vindas do quarto dele. Internet, internet, internet.
Não gosto. Acho que devia estar a dormir.
Depois, lembro-me de como foram os meus 15 anos... e respiro fundo por saber exatamente onde e com quem está. Mas será que é melhor assim?
O meu pai faleceu exatamente três dias após eu ter completado 15 anos. Por mais que o esperasse, a verdade é que nada nos prepara para perder um pai. Não um pai com 36 anos, ainda precisamos tanto deles aos 15! E o meu, esteve os últimos anos da sua vida entre hospitais , internamentos.
No Verão dos meus 15 anos, fui como todos os Verões, para casa dos meus falecidos avós.
Nem acredito que já cá não estão. Eram os meus pais de Verão... passei todos os Verões da minha vida com eles, e com os meus tios e primos maternos. Até aos meus vinte e poucos.
Mas os 15 anos foram especiais.
Os pais das minhas melhores amigas deixaram que passassemos uma semana juntas, e , acampamos mesmo ali, no quintal da casa dos meus avós.
Queriamos privacidade. E acampar, em vez de ficar numa das suas casas, permitia-nos entrar e sair quando queriamos.
Aquele foi o ano de crescer. Todas nós.
De nos maquilharmos pela primeira vez, de ir para a discoteca até de madrugada, ir com grupos de amigos para a praia até ser dia, adormecer e acordar, com ressacas( de uma ou duas imperiais) completamente vestidas para a night , enquanto ao lado , familias se besuntavam com óleos de cenoura.
Foi o ano de nos apaixonarmos talvez pela primeira vez, de nos sentirmos super adultas, e , obviamente , de mentir sobre a idade.
Tinhamos todas pelo menos mais um ano!
Foi um Verão inesquecível. Mas, recordo-o com alguma dor, porque lembro-me que a perda do meu pai vivia no meu coração. Tentei adiar o luto, para não perder a minha adolescência.
Mas foi devastador. Todos os dias acrescentava mais um dia ao diário da sua ausência. E custava-me saber que nunca mais o iria ver.
Hoje em dia as crianças são acompanhadas por psicólogos por dá cá aquela palha. Naquela altura não era assim. Passei 7 anos a ver o meu pai morrer, definhar, ser destruido pelo próprio corpo. Deixar de viver.
Fiquei sem ele, e logo a seguir, sem a minha mãe, que seguiu em frente com a vida dela, ficando eu com os meus avós paternos que, tinham sofrido a maior perda das suas vidas.
Nunca um professor me perguntou se estava bem. Nunca senti cuidado algum, durante os 7 anos que fui para as aulas com o pânico de, a qualquer momento me ser dito que o meu pai já não vivia.
Revoltei-me. Via à minha volta famílias perfeitas. Lembro-me da minha mãe comparecer a uma ou duas reuniões durante todos esses anos.
Reuniões em que os professores se queixavam que eu era muito inteligente e não sabiam porque me distraía tanto. E sim, sabiam que o meu pai estava muito doente, mas , e depois?
Se fosse agora, provavelmente até a comissão de menores se pronunciaria. E teriamos uma comitiva de psicólogos a ajudar o nosso estado emocional. Eu, e a minha irmã, com menos 8 anos.
Já passou. Mas nunca passa.
A dor não desaparece. A ausência faz casa nas nossas vidas.
Ninguém nos ensina a ser mães.
A única referência que temos, quer queiramos quer não, são as nossas. E eu sabia que não queria ser como a minha. Senti falta dela vezes sem fim, mesmo quando lá estava.
Nem sempre sei como agir, especialmente com o mais velho. Sei que ele me tem como uma boa mãe, é inteligente ao ponto de me perguntar sobre todos os assuntos que se sente inseguro, sabe que estou aqui para ele, embora , no geral, lhe permita ser como é .
A adolescência é sem dúvida uma idade em que a maior parte dos pais perde a mão nos filhos.
Sinto que o meu é cada vez mais independente, mas, qualquer coisa ,lá vem com o “ posso mãe?”, “ o que é que achas mãe?”.
E eu tento que as escolhas sejam dele. Orgulho-me muito. Vai para o décimo ano. Já escolheu uma área, já sabe o que quer ser!
É tudo tão rápido.
Dizem-me que fui mãe cedo demais. E eu sinto que fui mãe exatamente quando tive que ser.
E não sou minimamente modesta quanto a sê-lo. Sempre fui a melhor mãe que consegui ser.
Mãe e pai.
Até conhecer o pai do Santiago e ele encher a vida do Henrique de Amor de pai, regras, e tudo o que um pai é na vida de um filho.
Deixei que ele fosse o tipo de pai que eu gostaria de ter tido. O pai que dá banho ao filho, o aconchega para dormir, vai às reuniões ( e o orgulho com que ele ia às reuniões, e de lá saía, onde o “filho” era enormemente elogiado, como o mais inteligente, sensivel, e com melhores notas).
De mãe e pai, passei a ser apenas mãe. De noite era o “pai” que ele chamava. O “pai” acordava dez vezes para ir ver se o menino estava tapado.
Tive o melhor aliado que podia ter tido.
Depois veio o Santiago e, senti-me completa.
Foi muito mais fácil e prazeroso para mim ser mãe, que filha. Ser mãe é dar. Dar tudo o que somos. Todo o Amor. Não o que não nos deram, mas o que jorra em nós a partir do momento que a magia da maternidade acontece. E esse Amor sempre foi imenso em mim. Adorava ter tido mais filhos. Mesmo que estes já me enlouqueçam de vez em quando.
Ser filha é esperar . Esperar sentir que nos amem, que encham as nossas inseguranças com o Amor que precisamos. Que calem os nossos medos com carinho. E eu não tive isso. Não na adolescência. Não desde que o meu pai adoeceu. Cedo demais.
Tento não culpar ninguém. Já passou. Aliás, sou a mãe que sou, devido a tudo o que experienciei.
Mas ainda hoje, com 40 anos sinto a falta dos meus pais.
Então, compenso isso sendo a melhor mãe que sei ser...