Hoje venho vos falar de algo que eu desconhecia por completo até ter vindo a África, claro que todos já ouvimos falar de escravatura e trabalho infantil, mas o que falo hoje é um pouco diferente.
Escravatura infantil dissimulada. Não são casos como os das crianças do Gana que são compradas, mas podem ser tão ou mais graves. O pior de tudo... é socialmente aceite.
Por toda a África os sistemas de planeamento familiar falham, não tanto por culpa dos governos, mas por questões culturais. Uma mulher por muito pobre que seja nunca se sentirá satisfeita por ter um ou dois filhos. Apenas nas grandes cidades e na mesma medida que as qualificações escolares aumentem é que vemos as mulheres preocupadas com planeamento familiar. Se formos falar com uma mulher que tem dois filhos e tenha poucos estudos (ou nenhuns) provavelmente ela vai dizer que ainda quer pelo menos mais três filhos.
Claro que a grande maioria das mulheres que tem três ou mais filhos não tem condições para os criar e sustentar condignamente. A situação agrava-se mais quando numa casa encontramos oito ou mais filhos. Numa casa dessas (salvo raras excepções) existe fome.
Então por isso, passou a dar-se um fenómeno social, que eu não sei desde quando existe, talvez desde sempre, a mãe entrega um ou mais filhos a alguém conhecido ou da família com a promessa que vai ter os estudos pagos e melhores condições de vida.
Até aqui tudo bem, isto acontece hoje em dia em Portugal e também acontece desde sempre, mas as coisas não são assim tão cor-de-rosa.
Essas crianças vão para a casa da tia, ou de alguém por intermédio de um famíliar para um lugar distante, por norma se são meninas vão ficar a tomar conta dos filhos da dona da casa, mas vão também limpar, lavar roupa, fazer tudo o que um empregado faria e muito mais.
São geralmente vítimas de trabalhos muito forçados. São tratados de forma diferente dos restantes membros da família a qual não pertencem e se pertencem não são tratados como tal.
Se vão para a escola? Uns vão outros não. Mas se estudam, dificilmente conseguem bons resultados. Como iriam conseguir com tanto trabalho?! São por norma mal alimentados, acordam antes de todos na casa, tendo de deixar tudo limpo e arrumado e começando a cozinhar o pequeno almoço, cuidam das crianças e faltam muito às aulas porque quando há mais trabalho em casa são impedidos de ir.
As roupas que vestem demonstram bem que são diferentes dos restantes membros da família. São, regra geral, roupas velhas, rasgadas e quando tem sorte lá tem uma peça de roupas mais/menos.
Não comem à mesa com a família e também não comem o mesmo que o resto da família.
Isto parece mau? Há pior.
O pior caso que conheci de perto (de muito perto), a menina era proibida de sair, só saía para comprar pão e para ir ao mercado.
Roupa…sempre a vi com as mesmas e não estudava. Acordava às 5 da manhã e dormia depois das 9 da noite. Quando tudo já estava limpo e arrumado. Quando menstruava não lhe davam pensos higiénicos, quando ficava doente não a levavam ao hospital.
Se isto não é escravatura , é o quê?!
A história dessa menina que hoje deve ter uns 14 anos não acabou propriamente bem. Na sua única ida a casa de família próxima (ela era órfã de pai e mãe) já não voltou. A família arranjou-lhe um marido e neste momento além de casada , engravidou.
Por um lado não sei o que foi melhor. Na verdade saiu da clausura e escravatura que estava sujeita mas casar tão nova... Tenho pena dela.
E vocês talvez se perguntem porque não fiz nada.
Não podia. Não havia nada a fazer, se fizesse queixa na polícia eles falariam com a família dela e iam dizer que ela estava lá por vontade deles.
Algumas dessas crianças não são escravas, mas são vítimas de trabalho infantil. Isto porque recebem um salário que costuma ser entregue na totalidade à família.
Já me perguntei muitas vezes o que poderia fazer sobre isso.
Talvez este alerta chegue a grandes entidades através da Marta e do seu blog e consigam intervir.
Mas eu e a associação ORADE onde trabalho, não temos ideia como agir nestes casos? Primeiro porque não temos um regime de internato onde poderíamos "negociar" com as famílias para que elas nos fossem entregues e segundo porque como já disse antes, isto é socialmente aceite.
Imagem retirada do Jornal http://www.huffingtonpost.com/
Cumprimentos,
Sofia Oliveira
Nota da blogger (Marta Veloso)
A amnistia internacional, tem várias campanhas contra o casamento precoce em Moçambique.
Infelizmente é uma realidade comum em Africa, milhares de crianças morrem a dar à luz anualmente.
É necessária legislação apoiada pelo governo que proiba este tipo de permissividade por parte de familiares e comece a penalizar quem age desta forma a menores de idade, seja relativamente a tirar crianças da escola, escraviza-las em prole da familia ou casa-las antes da maioridade.