Carta de Despedida (escrita a 2 de Dezembro de 2011)

Como dizer adeus a quem já partiu da nossa vida há tanto? Confesso que quando me desafiaram( e passo-vos o desafio de fazerem também vós uma carta de despedida a alguem)estive a pensar em quem me debruçaria, a quem dedicaria esta carta de despedida.Os primeiros nomes que me ocorreram não mereciam sequer esta menção que lhes faço sem fazer. Então ocorreu-me...escreverei ao meu pai que já partiu. Tempos houve em que te culpei por estares doente.Tempos houve que quase te odiei por fazeres da minha vida de criança o Inferno que era.Desde que adoeceste que tudo mudou.Passou a não haver almoço nem jantar.Passou a não haver um sorriso nem um mimo.começaram os gritos de dor, os gemidos da agonia da doença que te martirizou durante tantos anos...passámos a ser gozados e apontados por pessoas preconceituosas, que ao verem o teu corpo desfazer-se afastavam-se de nós, com medo que pegasse.Custaram-me as noites que não dormi porque gritavas com dores.Custaram-me os brinquedos que me partiste cego na tua Ira de saber que lutavas em vão.Custava-me o teu olhar agressivo, as tuas palavras àcidas, mas custava-me mais que tudo, achar que já não gostavas de mim... Amei-te muito, enquanto me senti por ti amada, e amei-te de uma forma diferente quando deixei de o sentir, embora reconheça agora que o odio que tinhas não era a mim, mas à própria vida...ao que te estava a acontecer.Tão injusto... Foi-te lida a sentencia de morte tinhas talvez 28, 29 anos.Desde o inicio da doença até ao fim, já inválido, com 36 anos dizias a chorar que querias viver...nunca aceitaste o teu fado.Nem nos facilitaste a nós que estavamos perto de ti.Não te culpo de nada...mas na altura era tão dificil...eu era só a filha...a menina dos sapatos rotos e gastos, com roupas velhas, usadas sabe Deus quantas vezes, e por quem...a menina que já não tinha o colo nem a protecção do pai , que se tinha transformado num homem violento e doente, desfigurado.Desculpa...eu não tinha maturidade para entender nada ...foram muitos anos, entre os meus 8 e os 15 a viver, a pensar em hospitais e plaquetas e clinicas e exames e dores, a tua pele rasgada a tua voz agressiva, eu só queria que tudo acabasse!!!!Cheguei a desejar que morresses!!!!Não aguentava mais o teu sofrimento, nem o meu!!! Tive talvez dois, três minutos para me despedir de ti...nos Cuidados Intensivos do Hospital dos Capuchos.Mas disse-te tão pouco.Além disso estavas em coma induzido, não me ouvias... Quero te dizer que me fazes muita falta.Que não há um só dia em 19 anos de separação que não pense em ti.Que os natais nunca mais foram os mesmos.Que me doi cada Dia do Pai porque não te tenho aqui...quero dizer-te que 19 anos não bastaram para a revolta que sinto de teres partido tão cedo , mantenho comigo essa injustiça que sinto desde o momento que soube que iria ficar sem ti...quero dizer -te que jamais casaria na igreja porque tu não estavas lá para me levar ao altar...por isso casei pelo civil.Quero dizer-te que quando os meus filhos nasceram , os meus dois rapazes eu pensei em quão orgulhoso ficarias tu que amavas as crianças e tinhas como maior sonho ter um rapaz...quero dizer-te que o teu pai, com quem te davas tão mal assumiu o teu papel e foi o melhor pai do mundo, o meu querido avô e orgulhoso bisavô dos seus meninos.Quis homenagear-te e dar o teu nome ao meu filho mais novo.Luis .Como tu, como o meu marido...queria tanto que existisse Deus e Céu, e que pudesses ler, ouvir, sentir cada palavra que te escrevo...mas mais que isso...queria que te orgulhasses de mim.De quê...não sei...mas queria. Sinto falta das tuas piadas, das tuas histórias, dos teus desenhos e das tuas fotografias.Tenho saudades do abraço que não me lembro ter dado.Sinto que fui roubada.roubaram-me a infância, a adolescencia, mas mais que isso roubaram-me o MEU pai. Procurei-te em todos os homens que conheci.Freud explicaria... Revejo muito de ti no homem com quem casei.Até os dois primeiros nomes são iguais!Claro que no fundo sei que são diferentes...interesses opostos, e tudo mais, mas não deixa de ser curioso. Tenho tantas saudades tuas...gostava tanto que conhecesses a minha familia...de ter-te aqui e ver-te brincar com os meus principes... Não entendo porque a maior parte das pessoas ultrapassam estas situações de perda e "arrumam-nas" e eu não consigo!!!!Fazes-me falta!!!!!!
 
 

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Sobre a autora:

Chamo-me Marta, e sou apaixonada pela escrita e pelo mundo da beleza. Em 2013 , após um curso de maquilhagem profissional decidi juntar os meus dois amores, criando este blogue. Gosto de escrever despudoradamente sobre tudo. Maquilhagem, cuidados com a pele, estética, cirurgia plástica e saúde no geral, assim como partilho aqui algumas das minhas crónicas em que abordo tudo o que é possível e imaginário. Venham daí, conhecer o meu Mundo!

4 comentários

  1. :(

    Estou arrepiada. Dou-te a coisa mais sincera, um sorriso de compreensão, aqui de longe.

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  2. nao sei porque , este post tinha-me passado ao lado. li-o agora e nao consigo evitar a comparação. a dor da perda, a dor da saudade, que nao passa com o tempo, piora, até chegar ao seu máximo e depois estagna. e fica ali, eternamente a moer. a dor da despedida será maior do que a dor de nao ter havido despedida? duas vezes seguidas? nunca saberei. resta-nos a recordação e a dor. Força, aqui neste teu cantinho, sempre a terás, sempre!

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  3. Eu ainda não me acostumei, passou um ano e ainda não parece real.. não kero esquecer nem arrumar, acho k kero sofrer como ele sofreu, punir-me talvez.. Todos os dias vêm-me a cabeça, todos os dias penso "porquê?", nunca me arrependi de nada na vida e o meu primeiro arrependimento de ter ficado longe dele estes 2 anos e não ter ido logo pa baixo quando disseram "é uma gripezina, não é nada demais".. Não me despedi, não estive lá e mata-me por dentro todos os dias. Quando cheguei era um caixão com alguém lá dentro parecido a ele. Tudo mudou. E agora? Não consigo por os medos para trás, sinto-me indecisa com a vida, perdida. Mas lá se vai com um sorriso e dizer as pessoas "sim, sim esta tudo bem".. Continuo a espera que ele entre porta adentro.. Ainda não lhe disse Adeus!

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