Lembro-me da minha mãe com 50 anos repetir-se muito. De lhe dizer que já tinha dito aquilo. Mas não valorizei.
Anos mais tarde é diagnosticada com demência. Alzheimer.
Hoje tem 64 anos , um marido com o coração desfeito porque a vai ter que internar num lar , porque ela precisa de cuidados permanentes.
E eu, confesso que sou grata pela felicidade que deu à minha mãe que durante mais de 30 anos o amou cegamente. Pelos cuidados que tem com ela nestes anos tão tristes .
Quero muito que ele não morra no Alzheimer que não sendo dele também o consome. Que tenha ainda muitos anos de vida ,vividos com paz, com o carinho que eu , a minha irmã e o nosso irmão sentimos por ele.
Sei que se a minha mãe fizesse ideia do que se passa desejaria que ele fosse o mais feliz possÃvel.
É uma dor muito estranha.
Mas jamais, em tempo algum ,pensei que fosse reviver o mesmo com a Margarida. Afinal, ela é... minha mãe.
E dói-me saber que os meus irmãos sofrem. Dói -me saber que o marido sofre.
Dói -me, porque nunca nos sentaremos para resolver as nossas pendências.
E sinto uma pena devastadora, uma mulher que era um autêntico furacão, tinha uma energia incrÃvel e agora não reconhece ninguém, não sabe em que mês estamos ou se tem filhos ou não.
O Alzheimer é das maiores Maldições de todos os tempos. Devastador. Implacável. InvencÃvel. Rouba memórias, vidas. Quem somos nós sem as nossas memórias?
Nesta fotografia estão as minhas duas mães. A avó Mimi, que tem 94 anos, lúcida, autónoma, saudável e a mãe Margarida, com 64 anos , sem memórias.
Quando o meu avô foi diagnosticado, perguntaram-lhe quem eu era. Ele disse
" Quem ela é eu não sei, só sei que é minha".
A minha mãe já não sabe quem sou. Talvez no escuro da sua memória lá me tenha perdida, a mim e aos meus irmãos.
Eu sinto-me roubada.
Como se me tivessem tirado a mãe na sua essência e me deixassem a " casca", o corpo.
Não guardo mágoas nem ressentimentos. Sinto saudades . Porque passamos alguns bons momentos. Porque nos riamos muito à s sextas feiras quando vinha a minha casa " caçar chocolates" que comia desalmadamente , especialmente quando estava com o perÃodo. Porque adorava ir comigo à s compras, a Lisboa, adorava não ter que ser ela a conduzir na " confusão". Adorava o meu bacalhau com natas . Ela não era bem uma mãe. Era uma irmã mais velha, com quem pensei vir a viver muitas coisas boas quando tivesse mais tempo e se reformasse. Sinto uma tristeza , um vazio, um luto sem cadáver, um velório de um defunto que está vivo.
Só queria que fosse feliz. Não isto. Nunca isto.
2 comentários
Olá Marta, nem imagino a dor que estejas a passar. Deve ser mesmo de querer desaparecer as vezes. Desejo-te o melhor deste mundo. Vejo o meu pai a envelhecer, um homem que com 2 anos de idade lhe deu uma paralisia infantil numa perna. Sempre trabalhou na terra e em outras áreas que podia. Agora ve - se com problemas num pulmão, com 71 anos e mal consegue andar. Um homem que mal ou bem sempre fez a sua vida. Muitas anos ele bebeu e foi estúpido para a famÃlia de casa, não foi fácil. Desde a chamar nomes aos filhos e a minha mãe. Deixa - nos com marcas psicológicas , embora passado 1 ou 2 dias estivesse tudo bem. Com a sua doença parece que deprimiu, porque mal se pode movimentar. O que é normal...uma pessoa sempre que foi activa e agora pouco anda. Assusta-me o futuro em pensar o que vem por ai em relação a ele. Às vezes penso antes ir eu do que passar pela dor de perder os meus irmãos e os meus pais. A minha mãe tem ido a baixo com isto do meu pai. É uma mulher forte , mas algum dia também quebra, porque lhe custa deixar em casa sozinho e ter de ir trabalhar, porque infelizmente o que dão de apoio financeiro do estado não da para nada. Como sempre fomos uma casa cheia e depois começamos a seguir a nossa vida isso também fez com que os meus pais fossem a baixo. O que deve ser normal com muitos pais. Foi só um desabafo, porque as vezes me sinto sufocada e apetece -me gritar. Para piorar um dos meus irmãos saiu de casa com a sua namorada e mal fala com a famÃlia. Vi-o mudar por completo e isso também me deixa de rastos. Eramos muito chegados. Aquele irmão que eu conhecia mudou por completo. As pessoas mudam, mas no caso dele tem influencia da namorada e os meus pais perceberam logo isso. Mas mal ou bem ele começou aproximar-se mais deles. E ainda bem...a vida dá voltas e mais voltas que eu nem imaginava que me iria acontecer. Talvez um dia voltamos a falar...tudo de bom para ti Marta.
ResponderEliminarAs vezes não temos alternativa a não ser sermos fortes. Aguentar, viver um dia de cada vez. Pensar e acreditar que o melhor está para vir. E que o normal é os avós e pais irem primeiro que nós. Dói horrores mas somos fortes. Beijinhos
EliminarObrigada pelo teu comentário!