Li esta pergunta perturbadora a primeira vez que me desloquei ao Centro Neurológico Senior aqui em Torres Vedras, uma unidade de saúde focada em doentes neurológicos .
Lá voltei alguns anos depois, desta vez com a minha mãe para receber um diagnóstico de demência e Alzheimer precoce, já que desde os 40 anos que foi mudando o comportamento, tendo episódios em que se repetia, esquecia que já tinha dito algo e a corrigimos como se fosse um lapso inofensivo.
Embora me tenha sentido sempre pouco amada pela minha mãe , a verdade é que chegamos a uma altura da vida que temos que aceitar que os nossos pais foram o melhor que sabiam e podiam para nós, independentemente que tenham sido diferentes para outros. Há que fazer um reset , perdoar, aceitar, tolerar que não vale a pena manter mágoas e dores antigas porque nada pode mudar o passado.
Foi talvez das coisas mais difíceis, quando soube que estava a iniciar um processo de demência, perceber que o pedido de desculpas nunca chegaria, que nunca viria a recuperar o Amor daquela mãe, que foi sempre a minha maior ânsia e desejo.
E foi difícil porque no dia em que nos deslocamos ao Centro Neurológico aconteceu pela primeira vez ela olhar para mim ,nos meus olhos e dizer-me a sorrir que não sabia quem eu era.
E custa saber que tudo se desenrola a uma velocidade luz, que as capacidades se perdem a cada dia. Que o que foi não voltará a ser.
E acima de tudo saber que esta dor de a ver deixar de saber quem é só terminará quando fechar os olhos para sempre.
Mais uma vez. O que fazer? Aceitar. Está a ser feito tudo para que não lhe falte nada. E eu tenho a certeza que isto acontece em famílias que infelizmente não conseguem proporcionar as melhores condições, o que não é o caso.
Mas o "sumo", o essencial, não muda.
É a degradação do ser humano.
Uma transmutação de ser autônomo e cognitivamente capaz para um ser dependente que não sabe que o é, confuso com tudo o que vê, violento, desorientado.
Porque sem memória somos livros com páginas arrancadas. Não temos história, perdemos a única coisa que reunimos durante a vida. As nossas recordações. Porque , ao fim ao cabo a vida é uma miscelânea de recordações. Sem isso ... nem a dignidade do básico sabemos. E quando acontece numa idade em que normalmente nem nos podemos reformar , sabemos que o universo cometeu um erro. E ninguém quer ser um erro do universo.
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